sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reflexão...




"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música
não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria
sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria
que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.
Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas
para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".


                                                                                                                                                      Rubem Alves

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pausa 

     Às sete horas, o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
__ Vais sair de novo, Samuel?
     Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
__ Todos os domingos tu sais cedo __observou a mulher com azedume na voz.
__ Temos muito trabalho no escritório __ disse o marido, secamente.
     Ela olhou os sanduíches:
__ Por que não vens almoçar?
__ Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
     A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu:
__ Volto de noite.
     As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente; ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
     Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé:
__ Ah! seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
__ Estou com pressa, seu Raul __ atalhou Samuel.
__ Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. __ Estendeu a chave.
     Samuel subiu  quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade:
__ Aqui, meu bem! __ uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
     Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d'água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
     Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches . Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e fechou os olhos.
     Dormir.
     Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a mover-se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos.
     Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo de luminoso no chão carcomido.
     Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se um sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.
     Ás sete horas, o despertador tocou, Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
     Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
__ Já vai, seu Isidoro?
__ Já __ disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.
__ Até domingo que vem, seu Isidoro __ disse o gerente.
__ Não sei se virei __ respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía.
__ O senhor diz isso, mas volta sempre __ observou o homem, rindo.
     Samuel saiu.
     Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.
             

Moacyr Scliar

Situação de Aprendizagem

Conto  Pausa  de Moacyr Scliar


Público-alvo:  9º ano. Objetivo: Explorar as capacidades de leitura em um conto contemporâneo.
Competências e habilidades:
  •  Inferir elementos da narrativa; reconhecer elementos da narrativa; analisar características do conto e desenvolver competência leitora.
  •  Inferir informação pressuposta ou subentendida em um texto literário, com base na sua compreensão global.
Estratégias de leitura:

Ativação de conhecimentos de mundo; antecipação ou predição; checagem de hipóteses
  •  O que sugere o título "Pausa" ?
  •  Quais são as hipóteses plausíveis para a resposta à primeira pergunta da esposa da personagem   principal "Vais sair de novo, Samuel?" ?
  •  O que sugere a segunda fala da mesma personagem "Todos os domingos tu sais cedo" ?
Localização de informações; comparação de informações; generalizações
  • Como é o ambiente do conto e quais são as características da personagem principal? Que tipo de vida leva?   (Descrição de um ambiente urbano e de personagens de classe média).
Produção de inferências locais; produção de inferências globais
  •  Locais: Alguma referência ao nome "Samuel" ?   (nome judeu, povo que tem apego ao trabalho)
  •  Por que a personagem prepara sanduíches para levar em suas saídas aos domingos?
  • Por que a ida ao mesmo hotel todos os domingos?
  •  Por que é conhecido por outro nome lá?  (Isidoro)
  • Globais: Como é o relacionamento dele com a esposa? (Provavelmente não é um bom relacionamento; a esposa é rude, tem hábitos grosseiros)
  • Como ele reage ao apelo das mulheres no hotel?   (Ele as ignora)
Recuperação do contexto de produção; definição de finalidades e metas da atividade de leitura
  • O que você sabe sobre o autor?
  •  Que época parece ser registrada no conto?
  •  Há conflitos em questão?
  •  Você já leu outros contos do mesmo autor?
  •  Você já leu outras histórias de temática semelhante a do conto?
Percepção das relações de intertextualidade; percepção das relações de interdiscursividade
  •  Comparar o texto com a música "Cotidiano", de Chico Buarque, para a percepção da questão da   ruptura da rotina diária.


Todo dia ela faz tudo sempre igual

Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã


Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café


Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida prá levar
E me calo com a boca de feijão


Seis da tarde, como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca prá beijar
E me beija com a boca de paixão


Toda noite ela diz prá eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
Me aperta prá eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor


Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã


Percepção de outras linguagens; elaboração de apreciações estéticas e /ou afetivas; elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos

  • Estudo de música e de filme: Linguagem sonora e audiovisual
  • As relações conjugais estão estáveis hoje em dia?
  •  De que forma a pressão do dia a dia influencia o comportamento das pessoas?
Recursos:

  • Disponibilização do texto escrito para todos os alunos da sala.
  • Execução da música "Cotidiano".
Avaliação:

  • Avaliação escrita sobre a compreensão das ideias principais e da situação retratada no conto.
  • Sugestão: proposta de produção de texto argumentativo sobre o tema.





  

Avestruz
Mário Prata

      O filho de uma grande amiga pediu, de presente pelos seus dez anos, uma avestruz. Cismou, fazer o quê? Moram em um apartamento em Higienópolis, São Paulo. E ela me mandou um e-mail dizendo que a culpa era minha. Sim, porque foi aqui ao lado de casa, em Floripa, que o menino conheceu as avestruzes. Tem uma plantação, digo, criação deles. Aquilo impressionou o garoto.
      Culpado, fui até o local saber se eles vendiam filhotes de avestruzes. E se entregavam em
domicílio.
      E fiquei a observar a ave. Se é que podemos chamar aquilo de ave. A avestruz foi um erro da natureza, minha amiga. Na hora de criar a avestruz, deus devia estar muito cansado e cometeu alguns erros. Deve ter criado primeiro o corpo, que se assemelha, em tamanho, a um boi. Sabe quanto pesa uma avestruz? Entre 100 e 160 quilos, fui logo avisando a minha amiga. E a altura pode chegar a quase três metros. 2,7 para ser mais exato.
      Mas eu estava falando da sua criação por deus. Colocou um pescoço que não tem
absolutamente nada a ver com o corpo. Não devia mais ter estoque de asas no paraíso, então colocou asas atrofiadas. Talvez até sabiamente para evitar que saíssem voando em bandos por aí assustando as demais aves normais.
      Outra coisa que faltou foram dedos para os pés. Colocou apenas dois dedos em cada pé.
      Sacanagem, Senhor!  
      Depois olhou para sua obra e não sabia se era uma ave ou um camelo.
      Tanto é que logo depois, Adão, dando os nomes a tudo que via pela frente, olhou para aquele ser meio abominável e disse: Struthio camelus australis. Que é o nome oficial da coisa. Acho que o struthio deve ser aquele pescoço fino em forma de salsicha.
      Pois um animal daquele tamanho deveria botar ovos proporcionais ao seu corpo. Outro erro. É grande, mas nem tanto. E me explicava o criador que elas vivem até os setenta anos e se reproduzem plenamente até os quarenta, entrando depois na menopausa, não têm, portanto, TPM. Uma avestruz com TPM é perigosíssima!
      Podem gerar de dez a trinta crias por ano, expliquei ao garoto, filho da minha amiga. Pois ele ficou mais animado ainda, imaginando aquele bando de avestruzes correndo pela sala do apartamento.
      Ele insiste, quer que eu leve uma avestruz para ele de avião, no domingo. Não sabia mais o que fazer.
      Foi quando descobri que elas comem o que encontram pela frente, inclusive pedaços de ferro e madeiras. Joguinhos eletrônicos, por exemplo. máquina digital de fotografia, times inteiros de futebol de botão e, principalmente, chuteiras. E, se descuidar, um mouse de vez em quando cai bem.
      Parece que convenci o garoto. Me telefonou  e disse que troca o avestruz por cinco gaivotas e um urubu.
      Pedi para a minha amiga levar o garoto num psicólogo. Afinal, tenho mais o que fazer do que ser gigolô de avestruz.

PRATA, M. Avestruz. 5ª série/ 6º ano vol. 2. Caderno aluno p. 9. Caderno do Professor p. 18

quarta-feira, 12 de junho de 2013


Situação de aprendizagem


Crônica: Avestruz de Mário Prata



Público Alvo: 7 º ano


Competências e habilidades: Explorar , desenvolver e ampliar as capacidades de leitura e escrita.


Ativação do conhecimento de mundo/ Antecipação ou predição (levantamento de hipóteses):

(Antes da leitura do texto propriamente dito, serão feitas perguntas sobre o assunto, visando garantir a socialização de conhecimentos)

  • Você conhece um avestruz?

  • Já viu um avestruz?

  • Como você imagina que seja?

Apresentação do título:

  • Apresente o título do texto AVESTRUZ , peça aos alunos que anotem a opinião deles a cerca desse título para conferi-la após ouvirem a crônica;

  • Por meio de perguntas, explore um pouco esse título: Esse texto desperta sua atenção? Sim ou não? O que ele sugere? Pelo título, dá para imaginar o assunto da crônica?Você pode imaginar o cenário?

Checagem de hipóteses

1ª Leitura feita pelo professor ( texto impresso )

(Durante a leitura da crônica o professor deve ir retomando as hipóteses( antecipações ) levantadas para verificar se elas foram ou não confirmadas).

Localização de informações, comparações e generalizações

(O professor pode solicitar que, durante a leitura, os alunos utilizem “procedimentos tais como sublinhar informações relevantes para buscar passagens essenciais e abandonar informações periféricas)
  • Elementos da narrativa;
  • Comparação da avestruz com um ser humano;
  • Pesquisa sobre avestruz e comparar com o que já conheciam sobre a ave;
  • Recontar oralmente a história.
  • Ter um avestruz como um animal de estimação: sim ou não?
  • Que animais são indicados para se ter como estimação?

Produção de inferências locais e globais:

(Deve-se levar o aluno a deduzir o sentido das palavras desconhecidas)
  • Perfil da personagem ( classe social, educação)
  • Levantamento das palavras desconhecidas (dedução/dicionário)
  • Qual o posicionamento do narrador em relação ao avestruz? Compare com trechos do texto.

Recuperação do contexto de produção;definição de finalidades e metas da atividade de leitura:

  • Gênero – crônica;
  • Apresentação do autor;
  • Lugar social que ocupa;
  • Esfera social em que o texto circula;
  • Veículo em que é divulgado;
  • Momento histórico em que foi produzido;
  • Intenções comunicativas do autor.

Percepção de relações de intertextualidade e interdiscursividade:

(Nesse momento o leitor estabelece relações com o que está lendo e o que já leu, ouviu, conversou, assistiu, por meio de comentários, perguntas, retomadas, solicitação de pesquisas etc. )

  • O Reformador do Mundo – Monteiro Lobato;






    O REFORMADOR DO MUNDO
                                  Monteiro Lobato

    Américo Pisca-Pisca tinha o hábito de pôr defeito em todas as coisas. O mundo para ele estaria errado e a natureza só fazia asneira.
    - Asneira , Américo?
    - Pois então?... Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e lá adiante vejo uma colossal abóbora, presa ao caule de uma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabeiras para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho razão?
    Assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
    Mas o melhor, concluiu, é não pensar nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?
    E Pisca-Pisca, piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
    Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com um mundo novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza!
    De repente, no melhor da festa, plaft! Uma jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio o nariz.
    Américo desperta de um pulo. Pisca-Pisca medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito assim. E segue para a casa refletindo:
    - Que coisa!... Pois não é que se o mundo fosse arrumado por mim, a primeira vítima teria sido eu? Eu, Américo Pisca-Pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum! Deixemo - nos de reformas. Fique tudo como está que está tudo muito bem.

    E  Pisca-Pisca continuou a piscar pela vida à fora mas já sem a cisma de corrigir a natureza.


  • A bola – Luis Fernando Veríssimo ( vídeo youtube)





Percepção de outras linguagens; estética; afetiva;valores:


  • Imagens – fotografias dos locais;
  • Desenhar a avestruz conforme a descrição do texto;
  • Propaganda – Cerveja ( recriando o mundo);
  • Análise das “vontades” – consumismo
  • Questionamento: Seria correto uma avestruz em um apartamento?

    Quais consequências poderiam ocorrer?


Avaliação: Produção escrita (em grupo) de um pequeno livro com uma HISTÓRIA EM QUADRINHOS com base na Crônica: AVESTRUZ; apresentações dos trabalhos para a sala. (socialização dos trabalhos e discussão oral sobre conquistas e desafios ao decorrer da produção do livro).
A construção coletiva de um texto – o fazer junto- possibilita aos alunos uma experiência modelar, que vai ajudá-los na elaboração da escrita individual.

Referências Bibliográficas

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (Francófona). In: Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2012. p. 35-60.
ROJO, Roxane. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. In: Curso EaD/EFAP: Leitura e escrita em contexto digital – Programa Práticas de leitura e escrita na contemporaneidade – 2012.






Educar é amar seres inacabados

" O amor é uma tarefa do sujeito...(...). O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro, como sujeito do seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro. Nesta sociedade há uma ânsia de impor-se aos demais numa espécie de chantagem de amor. Isto é uma distorção do amor (...). Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação com os demais. Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama".

(Paulo Freire em Educação e Mudança)